O FIM DA PARIDADE DE ARMAS NO CARF

FIM DO VOTO DE QUALIDADE ELIMINA PARIDADE DE ARMAS NO CARF

Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”[1]. H.L. Mencken

A aprovação parlamentar da MP do Contribuinte Legal, convertida na Lei Nº 13.988/2020, de 14/04/2020, traz em seu bojo jabuti[2] que extingue o voto de qualidade no CARF, criando ponto de inflexão e revertendo o desejado equilíbrio processual presente até então no contencioso administrativo federal. Verbis:

“Art. 19-E. Em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte.”

As partes no processo administrativo tributário não são substancialmente iguais. Quando o julgamento definitivo favorece o contribuinte, gera impedimento para a União demandar judicialmente, no intuito de reverter a situação, em decorrência da formação de coisa julgada administrativa; o mesmo não ocorre no caso inverso, ou seja, quando a administração tributária é vencedora.

O voto de qualidade é um instrumento jurídico idôneo e apto a igualar as potencialidades processuais das partes, reequilibrando a balança e reestabelecendo a fundamental isonomia entre os polos contendores. Ora, se a formação dos órgãos colegiados de julgamento no CARF é paritária, com representantes do fisco e contribuintes distribuídos em participações idênticas e, atribuindo-se ao demandante originário a vantagem processual de poder valer-se também da instância judicial, resta juridicamente proporcional e razoável caber ao fisco o voto de qualidade.   

Segundo dados extraídos do site do CARF[3], o percentual de decisões por voto de qualidade – e também por maioria – reduz-se ano e ano (inversamente, as decisões por unanimidade têm crescido) e, ao contrário do que a nova lei faz supor, há, sim, significativo percentual de votos de qualidade a favor dos contribuintes.

Ano Decisões por unanimidade Decisões por maioria Decisões por voto de qualidade Decisões por voto de qualidade pró-Fisco Decisões por voto de qualidade pró-contribuinte
2020 89,3% 7,5% 3,2% 1,9% 1,3%
2019 81,5% 13,3% 5,3% 4,0% 1,3%
2018 76,6% 16,6% 6,8% ———- ———
2017 71,1% 21,7% 7,2% ——— ——–

Não constam dados relativos à decomposição das decisões por unanimidade ou maioria. Sabe-se, contudo, que na totalidade das decisões pró-contribuinte, o julgado transita administrativamente em julgado, sem possibilidade de recurso ao judiciário; no extremo oposto, o contribuinte pode questionar judicialmente qualquer decisão que lhe seja contrária.

Em geral, as decisões por voto de qualidade envolvem as questões juridicamente mais complexas e polêmicas, além de valores vultosos. No quadro acima, no que tange ao voto de qualidade, o Fisco venceu 75% e 59% das discussões por voto de qualidade em 2.019 e 2.020, respectivamente, casos em que o Contribuinte opta por pagar ou judicializar (Contribuintes venceram 25% e 41% destes contenciosos, em definitivo).  Na perspectiva do fim do voto de qualidade, a Fazenda Pública teria sucumbido em 100% dos litígios empatados, sem lhe ser assegurada a possibilidade de acesso ao judiciário, eliminando-se, irremediavelmente, o necessário equilíbrio processual.    

A inserção de matéria estranha ao processo parlamentar de conversão de medida provisória em lei é inconstitucional.[4] A MP 899/2019, gestada para estabelecer diretrizes de transação tributária, indevidamente enxertada para extinção do voto da qualidade no CARF, redundou em norma tendente a enfraquecer e amesquinhar o Órgão Federal, originando desequilíbrio insanável.

O julgamento administrativo, que certamente carece de melhorias, franqueia ao contribuinte a contestação/defesa gratuita – quanto a autuações ou créditos tributários de quaisquer valores, dispensada a contratação de advogado -, que será ordinariamente julgada por órgãos extremamente técnicos e de composição paritária. O aprimoramento e modernização dos órgãos de julgamento administrativo têm potencial de geração de enormes benefícios à sociedade, com a diminuição do afluxo de causas ao poder judiciário, fortalecimento dos mecanismos de participação democrática do cidadão na relação jurídico-tributária, transparência, estabelecimento de segurança jurídica e previsibilidade nas relações entre as partes.

Com o fim do voto de qualidade cria-se o “empate de qualidade” a favor do contribuinte, solução em muito inferior à anterior.  Importa lutar por instituições mais independentes, técnicas e imparciais, não produzir soluções que gerem descrédito e esvaziamento do sistema.

Danilo Dias do Amaral. Auditor-Fiscal e Presidente do Conselho Administrativo de Recursos Tributários do Município de Belo Horizonte – CART-BH. 


[1] Explanations exist; they have existed for all time; there is always a well-known solution to every human problem — neat, plausible, and wrong. – Prejudices: Second Series – Página 158, de Henry Louis Mencken – Publicado por Alfred A. Knopf, 1920 – 254 páginas – https://pt.wikiquote.org/wiki/H._L._Mencken

[2] Decorrente de emenda do Deputado Heitor Freire.

[3] http://idg.carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/relatorios-gerenciais/2020/dados-abertos.pdf

[4] Segundo decidiu o STF no  julgamento da ADI 5.127: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=310347152&ext=.pdf